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Deep POV: o segredo para as leitoras viverem cada emoção do romance

Alguém aqui já terminou um livro com o coração acelerado, como se tivesse vivido cada cena junto com a personagem? Já leu tão fissurada que não conseguiu largar e sentiu cada dor, cada alegria e cada momento de tensão?


Pois é. Isso não é magia, é técnica. E o nome dela é Deep Point of View, ou simplesmente deep POV.


Bob Esponja fazendo um arco-íris com as mãos e a palavra "magic" escrita

O deep POV é uma forma de escrita que elimina a distância entre a personagem e a leitora. Não existe narradora observadora, nem explicações externas do tipo “ela sentiu”, “ela percebeu”, “ela pensou que”.


Tudo o que acontece é filtrado diretamente pela mente, pelas emoções e pelos sentidos da personagem. A leitora não vê o que a personagem sente — ela sente junto. Em vez de observar a história de fora, a leitora a vive de dentro.


Um exemplo simples

Narração tradicional:

Hannah sentiu raiva quando Richard sorriu daquele jeito arrogante.

Deep POV:

Aquele sorriso outra vez. Arrogante. Irritante. Se ele achava que podia mandar nela, estava muito enganado.

Na primeira versão, entendemos o que ela sente. Na segunda, experimentamos o que ela sente sem dar nomes às emoções. Essa é a força do deep POV.


Por que o deep POV é tão poderoso?


Em versão resumida, porque ele provoca intimidade emocional. A leitora não apenas acompanha a história, ela se torna cúmplice das emoções, dos pensamentos e das vulnerabilidades dos personagens.


Essa técnica transforma cenas simples em experiências sensoriais e emocionais intensas. Você não apenas lê que a mocinha está com medo, mas sente o estômago dela revirando, ouve o sangue pulsando e prende a respiração no exato instante em que ela faz isso.


É o tipo de escrita imersiva que faz a leitora suspirar, sofrer e gritar “por que ela fez isso?!”, como se fosse real.


Gostei. Como eu faço isso?

Existem algumas dicas práticas para as autoras atingirem a narrativa do ponto de vista profundo e eu listei algumas delas aqui:


1. Evite os verbos que provocam a sensação de filtragem emocional

Alguns verbos, usados tanto na narrativa quanto no vocativo, servem para filtrar e explicar emoções. Eles devem ser evitados para uma maior proximidade entre leitora e personagem:


  • Verbos de percepção: sentiu, viu, ouviu, percebeu.

  • Verbos de conhecimento: pensou, questionou, percebeu, imaginou, soube

  • Verbos de observação: viu, percebeu


Então eu estou proibida de usar esses verbos? Claro que não! O deep POV deve ser compreendido como o show, don't tell: não podemos mostrar sempre, às vezes temos que contar. Então, não podemos mergulhar sempre nas sensações da personagem, mesmo que devamos tentar isso ao máximo. Em alguns momentos, principalmente em conversas mais longas com muitos personagens envolvidos, podemos e até devemos usar alguns desses verbos de filtragem — mas com sabedoria!


2. Use a voz interna da personagem

A narração deve soar como os pensamentos dela ou dele. Se a protagonista é sarcástica, o texto também será. Se é ansiosa, o ritmo das frases vai refletir isso. Quando escrevemos em deep POV, mesmo na terceira pessoa limitada, sentimos a mudança do ponto de vista pela mudança da narrativa porque cada personagem tem uma personalidade.


Quero deixar aqui a recomendação de um livro que demonstra o domínio perfeito do deep POV em terceira pessoa limitada: Duke of Sin, da série Maiden Lane de Elizabeth Hoyt. Nesse livro, o protagonista é um psicopata e a mocinha não se mostra imediatamente, então a mudança de ponto de vista é brutal de um capítulo para outro.


3. Mostre emoções através de reações físicas e sensoriais

O corpo fala, então deixe-o falar. Mãos úmidas, suor escorrendo, olho piscando, tremedeiras, náusea: no deep POV, mostramos emoções por meio de descrições das reações físicas dos personagens e isso funciona lindamente.


4. Evite explicações e julgamentos externos

O deep POV não analisa — ele vivencia. Não há espaço para uma narradora explicando o que a cena “significa”, primeiro porque isso desconsidera a inteligência da leitora em compreender a cena, segundo porque reduz sensivelmente a imersão nas sensações dos personagens.


A leitora deve descobrir o que está acontecendo (ou o que cada personagem está sentindo) pelas reações, pelas falhas e pelos pensamentos.


5. Limite a onisciência

A terceira pessoa onisciente é "inimiga" do deep POV. Nesta forma de narrativa, a leitora só sabe o que a protagonista sabe. Nada de intenções alheias, nem informações externas: tudo precisa passar pela lente emocional e perceptiva da personagem principal.


Escrever em deep POV não é a mesma coisa que escrever em primeira pessoa


Algumas autoras e leitoras podem confundir a narrativa em deep POV com narrativa em primeira pessoa, mas se tratam de coisas completamente diferentes. É possível escrever em primeira pessoa e ainda manter distância emocional (“eu senti medo ao vê-lo”) assim como é possível escrever em terceira pessoa e mergulhar totalmente na cabeça da protagonista (“O coração dela disparou. Não podia ser ele.”).


O Deep POV não depende da forma “eu” ou “ela”. O que define o ponto de vista profundo é o grau de filtro entre a leitora e a experiência da personagem. Mesmo em terceira pessoa, é possível atingir um deep POV intenso se o texto mergulha na mente da protagonista, refletindo o tom, as reações e as percepções dela. E, ao contrário, uma narrativa em primeira pessoa pode continuar superficial se usa expressões que afastam.


O efeito esperado do deep POV nas leitoras


  1. Conexão imediata: a leitora se sente dentro da história.

  2. Emoções intensas: medo, desejo, raiva e amor se tornam palpáveis.

  3. Ritmo emocional: cada palavra reflete o estado mental da protagonista.

  4. Autenticidade: personagens mais humanas, com pensamentos contraditórios e falhas reais.

  5. Imersão total: a leitora esquece que está lendo — ela vive a história.


Por que leitoras amam o deep POV (e algumas vezes nem sabem)

Escrever em deep POV transforma o livro em uma experiência muito mais profunda, principalmente em se tratando de romance. Afinal, romances são sobre pessoas e seus relacionamentos e não existe nada mais brochante do que ler um beijo e não sentir nada, ou ler uma cena de pura tensão emocional e não se emocionar nem um pouquinho.


Resumindo: dicas práticas para autoras

  • Escreva a cena e depois elimine todo filtro narrativo fazendo uma busca pelos verbos de filtragem (“ela viu”, “ela sentiu”, “ela pensou”).

  • Substitua emoções abstratas por reações corporais e pensamentos imediatos.

  • Leia o texto em voz alta: se parecer narração externa, aprofunde.

  • Pergunte: “O que ela sentiria fisicamente agora?”

  • E lembre-se: quanto menos explicação, mais envolvimento emocional.


Vocês já conheciam a técnica do deep POV? Contem para mim!

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Tatiana Mareto Escritora

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